quarta-feira, 2 de abril de 2014

O “novo” Aécio é a volta do Brasil de sempre. O da senzala social

ilhafiscal


Por Fernando Brito, no Tijolaço

A “coluna social” de Monica Bérgamo, na Ilustrada da Folha de hoje é um retrato sem retoques do que representa Aécio Neves.

Representa Fernando Henrique Cardoso, nada mais, nada menos. É uma visão dantesca do Brasil que, tomara, tenha ficado sempre para trás. O Brasil governado para o capital. Não para o povo. Não para “os que votam como o estômago”, como diz o banqueiro André Esteves.

Esta gente que tem o estranho desejo de comer todo dia, desatenta ao fato de que sempre foi preciso que passasse fome para que os salões do nosso capitalismo brilhassem.

“Esgotou (-se) a capacidade de crescer pelo consumo (da população).” É como se dissessem: “chega, você já tiveram o que merecem, acabou o recreio, voltem para a senzala social”.

Sonham com a “reconquista” do Brasil, porque não querem o povo brasileiro como parceiro de seu sucesso, mas como uma massa de servos de seus empreendimentos.

Uma elite que não se emenda, que nem mesmo tendo visto do que este país é capaz quando é um só, não aceita os pobres, os negros, os mestiços, o povão senão ali, nas caras telas de Di Cavalcanti penduradas na parede da mansão.

Eles são lindos assim: imóveis, passivos, decorativos.

“Estou preparado para as decisões necessárias, por mais que sejam impopulares”, garante Neves, e um empresário traduz: aumentar as tarifas públicas.

Não o dirá aos que votam com o estômago, mas que importa? Pois se podem ser deixados sem comer, o que é deixá-los sem saber? Eles não estão aqui, senão nos servindo canapés e não entendem o que se diz.

Não vão saber, como não saberão que será vendido o que sobrou do período Fernando Henrique e o petróleo que depois dele se encontrou. Os negros, os mulatos, os pobres dos quadros de Di Cavalcanti tudo ouvem, porém, nas paredes da mansão.

Fugiriam das telas, se pudessem, para dizer aos seus iguais, de carne e osso o que dizem os “sinhôs”. Não podem, mas nós podemos. O que se vai enfrentar nas eleições não é uma decisão sobre o futuro.

É um fantasma do passado.

Aécio: "Estou preparado para decisões impopulares"

Mônica Bergamo
No pequeno púlpito montado na sala de jantar de sua casa, tendo como fundo uma parede com quadros de Di Cavalcanti, João Doria Jr. chama Aécio Neves para falar à seleta plateia de empresários que foram ao encontro com o presidenciável tucano. “Um jovem amigo. Um dos mais valorosos nomes da política brasileira. Ele é o novo!”
Os convidados, que já tinham aplaudido os governadores Geraldo Alckmin, de SP, e Antonio Anastasia, de Minas, voltam a bater palmas.
Mas é quando Fernando Henrique Cardoso é anunciado que o público realmente se empolga.
Empresários como José Luiz Cutrale, maior produtor de suco de laranja do mundo, André Esteves, do BTG Pactual, Guilherme Leal, da Natura, e Luiz Carlos Trabuco, do Bradesco, se levantam para aplaudir aquele que, segundo Doria, é um “exemplo de homem público”, “de ser humano”, “de brasilidade”, “de estadista”. E o grande fiador da candidatura de Aécio.
Antes de ceder o microfone, Doria fala dos 50 anos do golpe militar. “Viva a democracia!”, afirma. E todos, em uníssono: “Viva!”.
FHC se diz “sem palavras”. E inicia um breve discurso de apresentação de Aécio.
Lembrando seu próprio governo, acena com a possibilidade de reformas numa eventual gestão do tucano mineiro. “O reformador só é aplaudido depois de muito tempo.” O Brasil precisa de um novo rumo, segundo ele. “E não dá para mudar com as mesmas pessoas. O cachimbo deixa a boca torta.”
Antes de falar, Aécio chama Armínio Fraga, presidente do Banco Central no governo FHC, para ficar ao seu lado, sinalizando que ele terá papel primordial na condução da economia em seu eventual governo. “Ninguém tem o time que nós temos”, diz o mineiro. “Vou anunciar aos poucos quem estará comigo. Esse time dará confiança ao mercado.”
Aécio segue: “Eu conversava com o Armínio e ele me perguntou: Mas é para [num eventual governo] fazer tudo o que precisa ser feito? No primeiro ano?’. E eu disse: Se der, no primeiro dia’”.
“Eu estou preparado para tomar as decisões necessárias”, diz. “Por mais que elas sejam impopulares.” Num outro momento, repete: “Se o preço [das medidas] for ficar quatro anos com [índices de] impopularidade, pagarei esse preço. Que venha outro [presidente] depois de mim”. Sua ambição, diz, não é ser querido. E sim “fazer o maior governo da história do país”.
O tucano não detalhou que medidas seriam essas. Um dos empresários disse à Folha: “Ele está querendo dizer que vai reajustar tarifas. Não dá mais para empurrar com a barriga, como o governo [Dilma Rousseff] está fazendo, por populismo”.
Começam as perguntas. O banqueiro André Esteves diz que o país vive numa “armadilha do baixo crescimento”, em que se “esgotou a capacidade de crescer pelo consumo”. “Temos que investir” e, para isso, o governo tem que despertar “a confiança”.
Horacio Lafer Piva, ex-presidente da Fiesp, pergunta como o presidenciável fará sua mensagem chegar “aos que votam com o estômago”, referindo-se aos beneficiários de programas sociais do governo. Jorge Gerdau pede que ele se comprometa a não aumentar a carga tributária.
Depois de responder a todas as perguntas, Aécio Neves se despede com uma brincadeira: “Se tudo der errado, eu tenho um craque para entrar em campo”. Ele, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.



Aécio com o casal Dória. Mas do que revelador.

Por Paulo Nogueira, no DCM


Não poderia ser mais revelador o jantar oferecido pelo relações públicas João Dória a Aécio em sua casa em São Paulo.

(Aqui, você tem o vídeo da fala de Aécio.)

Foi um jantar do 1%, pelo 1% e para o 1%. Para a sentença se completar, só falta Aécio obter 1% dos votos em outubro. No caminho para isso ele está.

O que chama a atenção é a desconexão entre o mundo reunido em torno de Aécio por Dória, um ex-Cansei, e a realidade ululante das ruas.

Gosto da palavra alemã zeitgeist (zaitegáiste), que significa o espírito do tempo. O jantar era o oposto disso. O antizeitgeist.

Não surpreende que o melhor relato do encontro esteja numa coluna social, a de Mônica Bergamo, da Folha.

Aécio prometeu a um dos empresários participantes não aumentar os impostos. (Para o 1%, naturalmente.)

Há um consenso universal de que um dos dramas do mundo contemporâneo é a evasão de impostos do 1%. Mas Aécio se compromete a facilitar ainda mais a vida fiscal da plutocracia nacional.

Ele também disse que está disposto a tomar “medidas impopulares” desde a “primeira hora” caso se eleja.

O lado ruim é o fato em si. Sabemos bem o que querem dizer “medidas impopulares”: a conta é dos 99%.

O lado bom é que isso não vai acontecer porque são zero as chances de Aécio.

No encontro, FHC foi, segundo Bergamo, intensamente aplaudido. Disse que reformadores só são reconhecidos muito depois.

É uma forma de autoconsolo, aparentemente. FHC está dizendo para si mesmo que, se hoje é vaiado fora dos círculos refrigerados, no futuro será reconhecido.

Teria Thatcher dito para si mesma coisa parecida enquanto os ingleses se preparavam para comemorar seu passamento com festas em praça pública?

Acho que não. Ela era mais realista que FHC.

Com o correr dos anos, o PSDB foi se transformando de Partido da Social Democracia Brasileira para Partido da Capital Democracia Brasileira. O “social” no nome é apenas uma tradição a resguardar.

Em sua desconexão formidável com as ruas, FHC, Aécio, Serra e demais líderes tucanos simplesmente ignoram o exemplo portentoso transmitido pelo Papa Francisco.

Francisco reinventou um gigante esclerosado conectando-o com as ruas. O ponto central disso foi identificar, claramente, a desigualdade social como o mal maior a combater.

Para fazer algo parecido, o PSDB teria que mudar seu discurso – o que é relativamente simples – e sua prática, e aí as coisas realmente se complicam.

Você tem que falar com a gente simples do povo, com os favelados e os excluídos. Seus sapatos podem se sujar de barro nessa empreitada, e você pode ser obrigado a comer carne de terceira. Dificilmente você vai aparecer em colunas sociais, com programas assim.

Alguém imagina Aécio e FHC neste tipo de ação?

Mais fácil continuar do jeito que está.

O único problema é que o partido marcha, então, para uma magnífica obsolescência. Ou, em linguagem mais popular, para o caixão.

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