Por Fernando Brito, no Tijolaço
Se coerência, nos dias de hoje, é uma pedra rara, difícil de encontrar, sempre o foi, quando as pessoas vão se ocupar altos cargos, tanto que surgiu o dito português ” se queres conhecer o vilão, põe-lhe na mão o bastão”, deliciosamente traduzido, se a memória não me trai, por Luiz Paulistano para o ofício de escrever: se quer conhecer o caráter de um jornalista, dê-lhe um cargo de chefia”.
Por isso, este blog – que sempre confessou sua admiração por ele – reproduz a “carta de despedida” do diretor brasileiro do Fundo Monetário Internacional, o economista Paulo Nogueira Batista Jr., um dos mais brilhantes economistas de nosso país e, acima de tudo, um ser humano que continua a pensar, como sempre, no desenvolvimento brasileiro como algo que não se separa do progresso social. Tudo isso refletido na maneira simples e compreensível de expressar suas idéias – tornou-se antológico o seu “turma da bufunfa” para definir quem tem o dinheiro e o controle da opinião “pública” aqui – perante os leitores de sua coluna – infelizmente hoje quinzenal e em O Globo, depois que a Folha, há cinco anos, o “executou sumariamente“.
Talvez por sua sinceridade e transparência, com a capacidade de não falar economês, Paulo Nogueira não seja hoje o Ministro da Fazenda do Brasil. Como se sabe, um Ministro da Fazenda do Brasil não deve apenas falar inglês; deve pensar em inglês e isso Paulo não faz.
Mas a notícia – e Paulo entra nela mais diretamente que eu – é das melhores.
Ele será o vice-presidente brasileiro do Banco dos Brics. Um belíssimo começo para o banco, onde Paulo, em lugar de ficar tomando pernadas e puxadas de tapete dos “donos do fundo” vai fazer nosso país ser mais que respeitado: ser querido, também, pela qualidade humana de seu representante.
Sobrevivi
Paulo Nogueira Batista Jr.
Há poucos dias, o governo brasileiro, em nota oficial, divulgou a minha designação para vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento. Agora posso falar sobre o assunto. Na verdade, era um segredo de polichinelo; a informação já havia vazado para tudo quanto é lado. Quando veio a nota oficial, a repercussão foi bem modesta.
É sempre assim, leitor. O jornalista sempre quer publicar, de preferência, o que o governo não quer divulgar. O que é of the record ganha manchetes. O que é oficialmente divulgado permanece rigorosamente inédito. Mas, enfim, estou de mudança para Xangai no início de julho, em menos de um mês portanto.
Nelson Rodrigues dizia que brasileiro não pode viajar. O brasileiro, a caminho do Galeão, já na Avenida Brasil, adquire automaticamente um descarado sotaque espiritual. Se o grande cronista tinha razão, a minha nacionalidade deveria estar em avançado estado de decomposição.
Em março de 2007, quando estava preparando as malas para Washington, publiquei um artigo aqui mesmo neste espaço, sob o título “Escrevam, reclamem!”, no qual antecipava as dificuldades que teria no FMI e discorria sobre o adestramento das elites dos países em desenvolvimento na capital do Império ( Washington) — esta cidade de onde ora vos escrevo outra vez, mais de oito anos depois.
Sobrevivi. Não diria intacto, claro. Tive que enfrentar umas barras e tenho as minhas cicatrizes. Mas lutei. Lutei para que o Brasil, aquele Brasil idealizado, que só existe no coração de alguns brasileiros, pudesse se orgulhar um pouco de mim.
Exagero? Só quem passou alguns anos em Washington ou qualquer outra cidade importante no mundo desenvolvido pode ter noção completa das dificuldades com que se defronta um subdesenvolvido quando transplantado para o centro do sistema internacional de poder. A verdade, leitor, é a seguinte: americanos e europeus ainda estão acostumados a mandar, acreditam que têm o direito de mandar, que não há outra solução. E ponto final.
O subdesenvolvido quando chega por aqui se defronta, portanto, com a seguinte disjuntiva: ou adere, sem qualquer restrição e objeção, acompanhando mansamente as diretrizes do Ocidente, ou será considerado um elemento hostil, um estranho no ninho.
Alguém perguntará: mas não há meiotermo? Não, infelizmente não. Conformismo total é o que se espera de um periférico que aporta por aqui. E subdesenvolvido que não conhece o seu lugar é caçado a pauladas, feito ratazana prenhe, diria Nelson Rodrigues (outra vez esse homem fatal!).
Ah, mas o subdesenvolvido que se acomoda, este pode ter uma boa vida por aqui. Depois de um período de experiência, é acolhido como membro leal de um clube confortável, com saunas, piscinas e toalhas felpudas — membro de segunda classe, é verdade, sem direito de decidir, mas membro mesmo assim.
Quero acrescentar um elemento importante a essa pequena fábula. O brasileiro não é dos piores. A subserviência internacional encontra muitos representantes mais entusiasmados e mais convictos. O brasileiro tem os seus escrúpulos, os seus arroubos, os seus surtos de independência. O Brasil, afinal, é um grande país — ainda que nós, brasileiros, não estejamos sempre à sua altura.
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