segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Quem assombra quem?



Uma noite no Bar de João Gudinho (acredito ser este o nome dele), lá pelo início dos tumultuados anos 60, o saudoso “Diabo Louro” contava "causos" de assombração. Uma garotada ávida bebia suas palavras, mesmo que a volta para casa às escuras provocasse arrepios. Viviam a esperança que ele enveredasse pelos causos mais picantes, a exemplo, dos casos reais de sua vida, em especial, os que envolviam sua vida em torno das mulheres fossem elas da Rua da Bomba, ou não.

            O Bar de João Gudinho funcionava onde hoje é o supermercado Oliveira. O Bar foi comprado, se a memória não me escapa, por João Mandaçaia, pai de Edercio e avô do seu filho, Tiago Senna, que recentemente sofreu um trágico acidente de automóvel. Seu genro, Henrique, assumiu o comando dos negócios, mudou de ramo e permanece até hoje no mesmo local. Do lado de fora do Bar de João Gudinho, aos 11 anos, assisti, no sentido de ouvir, o Brasil ser Campeão Mundial de Futebol na Suécia em 1958.

            “Diabo Louro” para quem não sabe era o José Marques, filho do Coronel Elias Marques que leva praça com seu nome, e irmão dos ex-deputados Federal, Nonato Marques, e Estadual, Leonardo Marques(ambos já falecidos). Coletor Federal (hoje chamado auditor), pai de Elias Marques Neto e de uma infinidade de filhos que ele desconhecia quantos. Altivo, Festeiro, Briguento, Putanheiro. Não lhes faltavam adjetivos cunhados para tentar compreender um dos homens mais instigantes de Queimadas em qualquer relação social que se possa imaginar.

Mas, uma, em especial: reprodutor digno de nota; homem cheio de mulheres, algumas vivas e outro tanto já morta; amigo e homem de uma coragem ímpar. Mas voltando ao “causo”: ele contava que em certa noite escura como breu, noite de Lobisomem, pois era Sexta-Feira Santa ele foi desafiado por alguns amigos a ir à Igrejinha de Santo Antonio e, na porta de entrada do cemitério que ainda funciona ao lado do templo, apregar um prego caibral como prova de sua presença.

A Igreja de Santo Antonio que daqui a um ano e meio completa 200 anos (começou a ser erigida por volta de 1815) fica localizada em uma colina de onde se tem uma bela vista do Vale do Rio Itapicuru e da cidade de Queimadas ou, como era conhecida anteriormente, Vila Bela de Santo Antonio das Queimadas. À época o caminho que levava à igrejinha era tortuoso, cercado de pedras, um pequeno riacho e uma caatinga rala formada mais por Juazeiros e Paus-de-rato, além das rasteiras Cassutinga, São João e as espinhentas Mandacaru, Chique-Chique e Palmatória.

Luz? Só nas noites de lua cheia. Portanto, local ideal para ser perseguido por um Lobisomem. Mas retornemos ao causo: Feita a Bolsa de Aposta, as dez para a meia-noite o intrépido “Diabo Louro” colocou uma capa para se proteger do frio, pegou o martelo e o prego caibral e partiu resoluto para a Igreja de Santo Antonio. Meia-noite em ponto, tateou às escuras o portão do cemitério botou o prego na posição e martelou até perceber que metade entrara sem dificuldades.

Não sentira medo até aquele momento fazendo jus à fama de guerreiro, mas confessara que alguns arrepios levantaram seus vastos pelos dos braços e pernas e outros recantos não recomendáveis, quando olhara de trevessa as carneiras e sepulturas de terra, paisagens que pareciam saídas de filmes de terror a que assistia no cinema de Benício, sob o comando do velho Álvaro da Usina.

Concluso o trabalho, só pensava na Bolsa de Aposta, no que faria com ela e na gozação que faria com os amigos que acreditavam que ele voltaria do meio do caminho. Olhou de esguelha mais uma vez para dentro do cemitério e um frio tomou conta de todo o seu corpo. Acabara de ver luzes circulando entre alguns túmulos. Fechou os olhos, rodou os calcanhares e disparou.

Mas não saia do lugar. Debateu-se e quanto mais isso fazia mais o desespero tomava conta. Até que gritou: “me larga alma penada que sou crente e temente a Deus”. Nesta hora, conta ele, ouviu um barulho que mais parecia da Rasga Mortalha a bela coruja, maldosamente afamada porque seu canto era sinal de que alguém por perto morreria.

E o terror aumentou mais ainda quando ouviu outro barulho, o de uma correria desenfreada, entremeadas por gritos de pavor. Voltou-se para o portão, fincou mãos e pés com toda a força que possuía e conseguiu, enfim, se soltar dos braços poderosos que o prendiam ao portão e disparou rumo ao bar de João Gudinho aonde chegou sem fôlego, esbaforido, despenteado e arfando como se tivesse numa crise de asma das mais sérias, e com a manga do capote em frangalhos.

Na mesa, os amigos que chegaram antes, se assemelhavam ao seu estado físico e mental. Pálidos, arfando e sem conseguirem balbuciar palavras. Eles foram os responsáveis pelo barulho ao lado do cemitério e que dispararam, sem direção, quando ouviram os gritos do “Diabo Louro”. Na mesa uns tiravam dos outros os espinhos de Mandacaru, Chique-Chique e de Palmatória que abraçaram no escuro da correria.

João Gudinho, que na aventura não se aventurara, olhou para “Diabo Louro” e perguntou: “onde rasgastes a manga do capote”? Todos aguardavam silenciosamente pela resposta. Sem pressa, o “Diabo Louro” engoliu de uma só vez uma dose de conhaque Castelo, cuspiu de lado e arrotou: “preguei junto com o prego caibral no portão do cemitério. Era o fantasma que me segurava na porta e o barulho da Rasga Mortalha era a manga ao ser lascada pelos puxões que dava”. O salão do bar explodiu em gargalhada. As putarias do “Diabo Louro” ficaram para outra oportunidade.

Os causos de assombração, pelo menos aqueles de arrepiar até cabelo de umbigo foram se perdendo ao longo do tempo e, arrepios, mesmo, só nas salas escuras dos cinemas com filmes sobre Lobisomens e vampiros. Então perguntamos: o que faziam o alcaide eleito, a alcaide “mainha”, de fato e de direito, e um secretário de alto coturno a prosear na sombra projetada do muro do cemitério em dia e hora esquecidos?

Por certo, não contavam “causos” de assombração. Não, pelo menos, semelhantes às contadas pelo saudoso “Diabo Louro”. Mas, com certeza, foram “causos” assombrados só que, tendo por ouvintes, os verdadeiros fantasmas. Por certo de uma dezena de alcaides que já nos deixaram. São testemunhas que não podem testemunhar. Mas com certeza seus “causos” causaram não apenas perplexidade aos ouvintes fantasmas, mas revolta tal o contingente de propostas tiradas da sacola de maldades de “mainha” progenitora.


Para deleite de todos vocês leiam o belo post de um queimadense sobre histórias de Lobisomens ocorridas aqui, em Queimadas, logo abaixo.

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